domingo, 21 de dezembro de 2008

a minha santa ignorância

não gosto de teatro. é um facto. quanto mais peças vejo, mais me apercebo disso.

só gostei realmente de uma peça na vida, uma que a minha irmã fez há uns dois ou três anos atrás. tudo o resto me parece sempre um pouco forçado, com demasiadas pretensões intelectuais. confesso que o teatro a que me refiro, são, na sua maioria, produções pequenas. mas mesmo coisas mais profissionais, das que vi, me pareceram seguir o mesmo caminho. tudo é deixado ao espectador, para interpretar e imaginar. ora, é fácil para mim dar uma folha em branco e deixar que cada um a pinte ao seu gosto e dizer que o artista sou eu. talvez eu esteja demasiado ligado ao cinema, em que tudo nos é dado na boca, de uma forma mais clara e directa. e com mais meios. sou fã do replay e do slow motion, dos diversos planos. mas também não gosto de efeitos especiais.

não gosto de poesia. (e agora, todos os pseudo-intelectuais que estão a ler o post fecham o internet explorer.)

em relação à poesia, acho que o defeito é meu. não sei apreciar poesia. sou demasiado básico, talvez. não gosto de restrições de escrita e de leitura. é claro que há poemas que me agradam, até sei um ou outro de cor. mas não sei, prefiro prosa, só isso.

e gosto de futebol. agora podem passar o atestado de ignorante, com carimbo na testa.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Libelo


De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar – e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar?

E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é pra ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no infinito...

– Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra – um pedaço bem verde de terra – e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim – que um jardim é importante – carregado de flor de cheirar?
E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos pra mexer na terra e arranhar uns acordes no violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem mistério não vale morar...

– Mas a terra foi escravizada, e é preciso por ela lutar!

De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar – basta olhar – um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de casa e de bar?
E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo?

– Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!

De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular? E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o desatino o carrega em sua onda sem rumo?
Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher – as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo...


Vinícius de Moraes